Um avanço inédito da ciência brasileira pode estar prestes a transformar a vida de pessoas com lesões medulares. A pesquisadora Tatiana Sampaio, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), anunciou os primeiros resultados do estudo com a polilaminina, um medicamento experimental capaz de estimular a regeneração da medula espinhal — devolvendo, em alguns casos, os movimentos perdidos após traumas severos.
A substância é um polímero criado a partir da proteína laminina, presente naturalmente no corpo humano e extraída de placentas. O grande diferencial está no processo de polimerização, que torna a molécula mais estável e funcional. Essa modificação permite à substância promover o crescimento de axônios, as estruturas neuronais responsáveis pela comunicação entre o cérebro e o corpo.
Resultados surpreendentes em pacientes
Embora ainda em fase experimental, os testes realizados com oito pacientes entre 2018 e 2021 revelaram resultados animadores. Os voluntários foram tratados na fase aguda da lesão — até 72 horas após o trauma — em hospitais do Rio de Janeiro. Alguns apresentaram recuperação parcial dos movimentos, enquanto outros, como o caso noticiado de Bruno, tiveram recuperação total da mobilidade.
Os testes também envolveram cães com lesões naturais, permitindo avaliar o efeito da polilaminina em quadros crônicos. Ainda que não seja possível afirmar qual protocolo é mais eficaz, todos os animais tratados demonstraram algum nível de melhora.
Aplicação direta e potencial para casos antigos
A administração do medicamento ocorre diretamente na medula espinhal, geralmente durante cirurgia, mas também pode ser feita via injeção percutânea com orientação por imagem. Embora o foco atual seja o tratamento precoce, a equipe de pesquisa também estuda a eficácia da droga em lesões crônicas, inclusive associando a polilaminina a outras substâncias que removem barreiras à regeneração, como cicatrizes neurais.
Próximos passos: aprovação e produção em larga escala
Para avançar com os testes clínicos, a equipe aguarda a autorização da Anvisa, que irá avaliar a nova formulação desenvolvida pelo Laboratório Cristália. A substância será produzida sob padrões farmacêuticos rigorosos, diferente da versão usada em laboratório. Com a aprovação, será possível iniciar a chamada fase 1-2 dos estudos clínicos, que deve durar aproximadamente dois anos.
Tatiana Sampaio destaca que, em casos de doenças raras e graves como essa, existe a possibilidade de uso compassivo do medicamento antes mesmo da conclusão da fase 3, caso os resultados continuem positivos.
Ciência nacional e investimento público
A pesquisadora enfatiza o papel das universidades públicas no desenvolvimento de soluções inovadoras como essa. Foram 27 anos de pesquisa, começando pela ciência básica até chegar a uma aplicação clínica real, o que, segundo ela, seria improvável sem investimento público sustentado. “O setor privado não faria um aporte tão longo sem garantia de retorno”, afirmou.
Ao mesmo tempo, ela defende que o Brasil precisa avançar na transferência de tecnologia para o setor produtivo, de modo a transformar o conhecimento científico em soluções acessíveis para a população.
Fonte original: O Globo – Reportagem de Bernardo Yoneshigue, publicada em 30/09/2025
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